CAPÍTULO 1


Vejo pela janela do meu quarto o horizonte de trevas que domina meu reino – minha casa. Estou presa, lamentando por não ter mais liberdade.

            É uma tarde de dois de julho e chove muito. A tempestade que cai tão forte lá fora não é tão intensa como a tristeza do lado de dentro. Não vejo o fim da escuridão. Não vejo mais aquela esperança da minha curta infância.

            Pela janela vejo meus sonhos de criança sendo esquecidos. As lembranças mais belas da minha vida são destruídas aos poucos... Pela janela só vejo a escuridão e os muros que dividiam o bosque. O bosque que nas minhas primeiras aventuras sentia a áurea de mágica dos contos de fadas. Leafar é um pedaço de mim. É o lugar que eu me sentia segura e liberta, porque nada de ruim acontecia lá. É a grande lembrança da minha infância.

            Eu estava tomada por devaneios, e o toque da porta me desperta. Era o meu pai, o rei Victor. Eu estava olhando pela janela, mas sabia que era ele que entrara no meu quarto, pelos seus passos pesados e estrondeantes. Ouvi o seu movimento ao sentar na poltrona. Não houve se quer uma palavra por um bom tempo. Ele estava lá, somente analisando as minhas ações, esperando, como se quisesse a minha iniciativa para dar impulso a uma discussão, triste discussão.

            Desejava esquecer a presença dele ali. Não queria confrontá-lo. Apesar das suas precipitadas decisões, ele é o meu pai.

Olhava pela janela e via a chuva cair. Queria estar lá, em Leafar. Era o único lugar que queria estar. Era o meu refúgio.

            Desejava deitar no gramado, sob a sombra do carvalho, e observar os desenhos das nuvens. Ficar deitada por horas e não se preocupar com nada. Depois, se juntar aos passarinhos para cantar as margens da cachoeira. Correr sem motivos e cair exausta na grama verdinha. Respirar o ar puro e viajar nos meus pensamentos. Imaginar uma vida de aventuras pelo mundo, acompanhada de uma pessoa especial... Alguém real, simplesmente uma pessoa que possa dividir comigo suas histórias. Eu havia cansado de amigos imaginários, porque isso era coisa de criança solitária. Não era mais criança, mas continuava me sentindo sozinha.

            De repente, me surpreendo e desperto de devaneios novamente. Olhei para trás e meu pai ainda estava lá. Com isso, ele se aproximou de mim, colocou suas mãos em meus ombros e ficou a olhar para os muros lá fora. Eu suspirei e tomei coragem:

            - Isso é realmente necessário?

            - Oh, minha filha...

            Me virei e olhei dentro dos seus olhos, queria que percebesse a minha tristeza, e disse:

- Por que fazer isso com o bosque?

            - Julie, isso foi necessário – Ele virou-se e começou andar vagarosamente pelo quarto – O reino deLionth não é mais seguro. Meus informantes estiveram no reino Palach e constataram que houve um ataque. NoNinthie aconteceu o mesmo...

            - Ataque? Quem os atacou?

            - Não se sabe...

            - Mas a custa de que?

            - Não sei filha, nada foi roubado ou destruído. Há boatos em Palach, que treze pessoas desapareceram, e foram encontradas mortas numa floresta.

            - Pelos céus! – disse surpresa - Mas...que fato misterioso. Como aquelas pessoas morreram?

            - Eu não sei... – disse ele, olhando para mim.

- Papai – falei com seriedade - eu entendo a sua preocupação com o nosso reino, mas será que muros vão nos deixar seguros das ameaças externas?

            - Eu sei, talvez não seja a melhor solução, porém foi a única que encontrei. O nosso povo precisa sentir-se em segurança, como rei e protetor deles, essa é a minha obrigação. E filha...não é só por eles, é por você, minha querida! Você é minha vida! Você entre todas as riquezas do reino é a mais preciosa para mim... – suspirou estranhamente – Não posso perdê-la.

            Fiquei emocionada com aquelas palavras - percebi minhas bochechas corando, dei um sorriso humilde, mas ainda estava triste por Leafar. Não conseguia entender o porquê daquela divisão.

            - Pai, por que dividir o Bosque?

            - Filha, você logo irá se acostumar. Leafar não é mais tão seguro. Quando essa chuva passar, poderá ir lá, mas... apenas a luz do dia, nada mais de passeios noturnos.

            - Mas, pai...

            - Filha, me escute. Não quero te perder.

            - Está bem, papai.

Me virei e abaixei a cabeça. Queria esconder uma lágrima que não custou a rolar pela minha face. Pude ouvir os passos de Victor e o bater da porta atrás de mim. Papai finalmente havia saído. Agora poderia deixar todas as lágrimas rolarem livremente.

            Fechei a janela e as cortinas, apaguei as chamas das velas e corri para a cama. Só queria sentir um abraço, mas não tinha ninguém que eu pudesse abraçar. Então, abracei o travesseiro. Pude sentir geladas lágrimas caírem. Fechei os olhos com força, querendo fugir da realidade, querendo acordar daquele pesadelo. Portanto, meus esforços eram em vão – minha realidade era aquela, não estava sonhando – tudo era real...

            Não sabia o porquê, mas eu estava certa que era só o começo. 

 

 

Tópico: Capítulo 1

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